Após suicídio de aluno negro, professores da USP pressionam Universidade por políticas antirracistas e de bem-viver estudantil

Após o suicídio do universitário Ricardo Lima da Silva, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), um grupo de professores negros da Universidade lançou uma carta com propostas para a promoção do respeito à diversidade e combate ao sucateamento da instituição.

O documento denuncia:

“1) inequívoca existência do racismo na USP;  

2) ausência efetiva de políticas públicas para superar o racismo;  

3) falta genuína de interesse por um verdadeiro acolhimento das pessoas negras pela/na Universidade  que resultariam em medidas institucionais para a resolução dos problemas há muito conhecidos”  

TRECHO DA CARTA

O manifesto propõe ainda como medidas necessárias à promoção do respeito a diversidade e melhoria do ambiente estudantil:

“1) criação do escritório USP-Diversidade Étnico-racial constituindo uma comissão permanente, com  recursos destinados a ela, que contenha professores de origem periférica, negros e negras para a  proposição e gerenciamento de pautas relativas à diversidade, inclusão e ao antirracismo na USP; 

2) serviço de assistência social e acompanhamento composto por especialistas conhecedores e  engajados ao tema das discriminações e do racismo;  

3) inclusão da diversidade como critério de mérito na composição de bancas para contratação,  avaliação de projetos de pesquisa, composição das equipes dos projetos, progressão na carreira e  demais e atividades na USP.  

4) atendimento urgente das demandas dos estudantes quanto à permanência, alimentação e moradia.” 

TRECHO DA CARTA

O grupo Bem-Viver USP, enquanto grupo de pesquisa diretamente voltado para a temática da saúde mental e qualidade de vida de estudantes em sua diversidade étnica, corrobora o conteúdo da carta e retifica a urgência de intervenções que promovam o bem-viver estudantil.

Além da carta, o grupo de professores lançou também um abaixo-assinado online que pode ser assinado por toda a sociedade, acesse e assine nesse link.

A carta pode ser conferida na íntegra abaixo:

Carta dos docentes negras e negros da USP: PELO RESPEITO À DIVERSIDADE NA USP!

Sociedades e instituições democráticas cujos princípios se assentam sobre direitos humanos, valores  republicanos e inclusão da diversidade buscam continuamente melhoria desses parâmetros, os quais  são entendidos como parte incontornável do processo civilizatório. A tardia adoção de políticas  afirmativas de cunho sócio racial trouxe aos campi da USP um contingente de estudantes negros jamais  visto nessa instituição.  

Apesar dos inegáveis ganhos atrelados a essas medidas hoje, na USP, infelizmente, o discurso de  importância da diversidade étnico-racial e a correspondente presença da população negra nos seus  campi ainda carece de práticas efetivas que inequivocamente acolham os valores enunciados e os  plasmem em atitudes e políticas antirracistas efetivas.  

As circunstâncias até aqui conhecidas que levaram ao desespero e ao suicídio anunciado do jovem  estudante negro no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo – CRUSP nos causou profundo  desalento, tristeza, comoção, compaixão, mas também indignação. Se não é por falta de  documentação e de pesquisas que ressaltam o estresse sofrido sobretudo pelos mais pobres, como  explicar a manutenção da exiguidade das condições enfrentadas pelas negras e negros periféricos que 

estudam da USP e precisam morar no CRUSP? Como os docentes da USP lidam com a diversidade nas  suas salas de aula? Quantas vidas mais perderemos após o imenso sacrifício vencido para estar na  Universidade? Por que a USP não acolhe as reiteradas sugestões do seu minúsculo corpo docente  negro? Essas são fruto de nossas vivências, pesquisas e dedicação incessante a toda sociedade  brasileira. Até quando o discurso da diversidade em nossa comunidade acadêmica irá ignorar o sangue  e as lágrimas derramadas pelas vidas negras decorrentes da:  

1) inequívoca existência do racismo na USP;  

2) ausência efetiva de políticas públicas para superar o racismo;  

3) falta genuína de interesse por um verdadeiro acolhimento das pessoas negras pela/na Universidade  que resultariam em medidas institucionais para a resolução dos problemas há muito conhecidos.  

Muitas universidades ao redor do mundo já perceberam a necessidade de convergência entre discurso  e prática, e os benefícios de políticas internas de valorização da diversidade e de acolhimento, de  educação e enfrentamento a abusos, assédios e discriminações étnico-raciais. Como podemos  entender o silêncio institucional em face da morte trágica do estudante negro? E que providências  serão tomadas para que tragédias análogas não se repitam?  

Nós, professoras e professores negros da USP, lamentamos profundamente que os inúmeros avisos,  pedidos, informações e clamores não tenham sido suficientemente levados em conta pela instituição.  E que as contínuas denúncias de racismo, assédio moral e falta de estímulo ao desenvolvimento das  potencialidades dos estudantes negros e periféricos tenham esgarçado a desesperança do jovem  negro, desencadeando a perda irremediável da sua vida tendo em vista inações e olhares impassíveis.  Para que a USP se translade do discurso à prática efetiva, urgimos:  

1) criação do escritório USP-Diversidade Étnico-racial constituindo uma comissão permanente, com  recursos destinados a ela, que contenha professores de origem periférica, negros e negras para a  proposição e gerenciamento de pautas relativas à diversidade, inclusão e ao antirracismo na USP; 

2) serviço de assistência social e acompanhamento composto por especialistas conhecedores e  engajados ao tema das discriminações e do racismo;  

3) inclusão da diversidade como critério de mérito na composição de bancas para contratação,  avaliação de projetos de pesquisa, composição das equipes dos projetos, progressão na carreira e  demais e atividades na USP.  

4) atendimento urgente das demandas dos estudantes quanto à permanência, alimentação e moradia. 

Conclamamos a administração da Universidade de São Paulo a não mais tolerar a continuidade do  racismo estrutural que vem ceifando vidas, adoecendo pessoas, desestimulando os esforços dos seus  quadros negros de servir na instituição e dificultando sobremaneira o pleno desenvolvimento das  potencialidades dos estudantes negros. E que o respeito, seriedade e afinco dedicados pela instituição  ao conhecimento também sejam empregados com o mesmo vigor nas políticas de valorização da  diversidade e de ações antirracistas recentemente assumidas.  

Assinam o documento as professoras e professores: 

Adriana Alves – IGc – USP 
Alessandro Oliveira dos Santos – IP – USP 
Dennis de Oliveira – ECA – USP
Eunice Almeida da Silva – EACH – USP
Eunice Aparecida de Jesus Prudente – FD – USP
Fernando Fagundes Ferreira – FFCLRP – USP
Gislene Aparecida dos Santos – EACH – USP
Ivan Cláudio Pereira Siqueira – ECA – USP
Márcia Lima – FFLCH – USP 
Rosenilton Silva de Oliveira – FE – USP